terça-feira, 21 de julho de 2020

Eu assisti: Coringa.


A cura para o louco é a loucura.


Contém Spoliers.


“A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não a tivesse.”


Após terminar o filme, a sensação que tive foi de ter visto um gênero drama psicológico, fora do universo da DC, embora seja comum para esse universo, o flerte com esse gênero. O nome Coringa estava ali somente como um chamariz, para então apresentar a vida cruel de um personagem, que pouco a pouco vai sendo descascado como uma cebola, e a cada camada uma problema difícil de digerir, afinal, problema todo mundo tem, mas alguns tem mais que os outros, e é o caso aqui.

O cão faminto.
Coringa, é em primeiro momento, um coitado.
Por conta da sua aparente esquisitice e problema neurológico, fica óbvio que trabalhar como palhaço, não é uma opção. Rir de si mesmo, permite fazer disso um ganha-pão cruel, já que ele não conta a piada, mas é a própria piada. Somando isso com a pobreza e o sentimento de ser desconsiderado pela sociedade, temos uma pessoa com autoestima baixa, um perigo para si mesmo.
Ser desconsiderado pela sociedade, não é aqui somente uma impressão através de gestos, a cena do espancamento depois de ter a placa roubada enquanto trabalhava, invisível como indivíduo e visível como palhaço, mostra o quão frágil e a margem da sociedade o personagem está inserido. 
E este é só o começo, a seguir tudo na vida do personagem é uma tragédia. A demissão seguida de um novo espancamento no trem, leva para os três primeiros assassinatos, o que representa para o personagem matar sua insignificância perante a sociedade. É o cão faminto, que quando acuado ataca.

Identidade quebrada.
O único porto seguro que era a mãe debilitada, desmorona sem dar tempo para ele se recuperar. Ao mesmo tempo que perde o amor maternal, perde também a identidade. Interessante que ao buscar a identidade existe também a busca por um reconhecimento paternal, o qual é negado de forma bruta. Antes podia dizer ser filho de alguém, podia dizer que tinha uma pessoa querida para cuidar, e então resta aceitar que aquela pessoa é a provável causa de seu problema neurológico, e por conseguinte outras dificuldades que o acompanha.

A fuga da realidade.
Quando Arthur Fleck sufoca a mãe no hospital, sufoca também a ilusão de ser uma pessoa normal, a mesma que alimentava um relacionamento fictício com a vizinha. A ilusão era um refúgio para onde podia absorver um pouco da perspectiva de vida normal, o que psicologicamente impedia de tomar atitudes características do personagem Coringa, tal como conhecemos.
Enquanto assassinar os três indivíduos, pode ser considerado como auto defesa acompanhada de revolta, os outros assassinatos foram o fim da ilusão que alimentava, pois no final, temos um personagem niilista.

Aceitação do fracasso.
O filme reforça que rir de uma pessoa é perverso, e no caso pode ter consequência funesta.
Arthur tem um instante de felicidade por ver seu ídolo mencionar um vídeo dele no stand-up e a seguir se decepciona ao perceber, que era novamente uma piada. E quase podemos sentir aquela felicidade ser pisoteada por alguém em posição privilegiada que se quer faz ideia da problemática vida de quem é tirado como motivo de piada. Quando convidado para ser apresentado no programa, ele sabe que as pessoas não se importam com sua arte, e mesmo que explicasse o quão doloroso é ser uma piada, sabe que não resulta em empatia, porque pessoas são diferentes vivem em esferas diferentes, e no geral só querem rir de um fracassado.

Desgraça alheia.
O desfecho final, é o único momento em que podemos ver o "Coringa".
A figura franzina, depressiva e transtornada durante a maior parte do filme (definitivamente não é o Coringa), chega a dar pena e causar reflexão do quanto nós somos julgadores e insensíveis ao compartilhar uma mídia, somente por achar engraçado, sem conhecer o que existe por trás. A desgraça alheia é uma comédia, e Arthur percebe que pode sentir se bem em causar a desgraça na vida de outro.

Coringa é um agente do caos, sua aparição representa a anarquia e seus métodos são imprevisíveis. É um personagem insano que causa medo e não sentimento de solidariedade.
Apesar de pouco coringa na maior parte do filme, gostei!


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